sexta-feira, dezembro 02, 2005

O pote mágico


Quando senti aquele cheiro ao abrir o pote era como se o meu passado tivesse voltado, ainda que em pequenas proporções, ainda que em questões de segundos. Lembrei uma vida deixada para trás e tantos anos de recordações queridas.
Olhei e me vi novamente na antiga escola do ginásio, nas brincadeiras de ruas, na escada da casa da vizinha conversando com as amigas, o quintal da minha casa onde eu inventava meu pequeno mundo de sonhos ou mesmo dentro de casa num domingo, esperando o pudim ficar pronto.
Senti o vento frio no nariz e o cheiro das pessoas que passaram na minha vida nesse período. Senti o gosto da infância muito bem aproveitada, a pré-adolescência com tudo e bom e desagradável que ela oferece. Vi as transformações do corpo e do tempo, as migalhas de farelo de pão espalhadas pela menina desastrada que começava a crescer.
Recordei com nostalgia aquele meu pedaço de vida que ficou perdido em alguma prateleira lá atrás. Lembrei o sofá, a cama, o chuveiro com água sempre quente, a cozinha, o porão onde se jogavam coisas velhas e onde eu tinha medo de entrar. Lembrei o choro assustado com os raios e trovões que iluminavam os céus escuros das noites frias e chuvosas, as estórias que meu pai contava para me colocar para dormir, as "guerras" de travesseiro com os meus irmãos.
Revi meu animais de estimação, meu gatos e todos os filhotinhos que passaram na antiga casa de número vinte e seis: a tigre, o negão, o rajadinho, a leka, o arthur, os três cachorros, dois com o mesmo nome – Punk – ambos com o mesmo fim trágico e o Prego, o cachorro fiel de nome ingrato.
Vi os aniversários, páscoas, dia das crianças e Natais, todas as festas sempre esperadas, comemoradas. Lembrei os riso e felicidades que traziam aqueles presentes a uma menina de dez anos, a grande árvore de natalina que me fazia ficar acordada até tarde para vê-la erguer-se linda e brilhante, os fogos de artifício que rasgavam o céu e anunciavam o novo ano que chegava, as felicitações, beijos e abraços. Todos eles agora pertencentes ao passado.
Fechei o pote mágico do tempo e olhei em volta, tudo outro. Outro lugar, outra terra, outra gente, outros amigos. O tempo passou, mas o cheiro e as recordações ficaram. Ficaram tão fortes, tão entranhadas que basta um pequeno estímulo, como esse de abrir o pote certo, para que elas voltem à tona.