sexta-feira, outubro 21, 2005

La dame Laroceriè


Estávamos todas lá reunidas, novamente. Risos soltos e largos, música alegre ao fundo, copos com líquidos animadores pela metade, um cheiro de nostalgia circulando nossa mesa. Ao que parecia um reencontro entre pessoas que se querem bem e há muito não se vêem era, na verdade, uma despedida de um membro querido da "trupe" que estava nos deixando para alçar novos vôos. Como a vida deve ser.
Mas a peculiaridade daquele momento era a sensação de sermos outra vez como nos velhos tempos. Os tempos adolescentes de vontade simples de ser feliz e muitos projetos em mente. As gigantes contra os moinhos de vento. E depois veio a vida e fez de nós o que quis.
Agora cada qual com as suas amarguras, frustrações, felicidades e conquistas contavam suas peripécias mundo afora. E eu saboreava cada história com especial degustação. O que estava diante de mim era um retrato vivo de como os sonhos podem dar certo, ou como a vida nos arrasta para o chão.
Entre as distintas ocupantes da mesa estavam senhoras de família, com muita responsabilidade, outras mulheres independentes, resolvidas profissional e emocionalmente, outra uma autoridade importante no cenário social, enfim, cada uma com sua alegria particular, mas compartilhando aquele sabor gostoso da amizade que inebria nossas narinas. Era para ser uma despedida sem choro, nem drama e assim transcorreu até o fim. Era para ser um momento de prazer despreocupado e assim foi. Era para ser um momento para ser fotografado pelas lentes da memória e lá está.
Tudo era uma sucessão de fotos, abraços, beijos, pedidos de nunca deixar de mandar notícias. Pedidos de venha nos visitar assim que puder, casa não faltaria, muito menos afeto. Os outros habitantes do lugar nos olhavam instigados, querendo descobrir o que era, o que não era, sobre o que falávamos, o que deixávamos de falar. E nós lá, tomando conta daquele bar/restaurante/pista de dança/boteco.
Não vou me ater aqui ao que sucedeu durante a noite, até porque os assuntos tratados em encontros amigáveis são particulares demais e a proposta deste texto não é essa. O que me levou a sentar diante da tela branca e posar os dedos no teclado freneticamente foi a sensação posterior à tudo isso. Uma terrível sensação de perda. Sim, isso mesmo.
Aqui sozinha, vendo as palavras surgirem na minha frente, um nó atravessou minha garganta e eu não pude conter a lágrima que escorreu teimosa, quente, salgada. Uma sensação de vazio; de sentir mais um a partir para longe do meu foco de visão.
Por mais que a correria do dia-a-dia acabe nos afastando um pouco, temos a certeza de que o outro está a alguns passos de distância, ou a um telefonema básico. É a sensação de, mesmo ausente, sentir a pessoa sempre perto.
A partir de hoje essa distância ficou mais profunda. O que irá nos separar é um oceano salgado e frio. É um fuso horário diferente, é uma cultura de vida distinta. Você acima e eu abaixo da linha do equador (ou será o contrário? Não importa!). O que importa agora é: você tornou-se La dame. La dame Loroceriè.
Um pensamento egoísta atravessou a minha mente, durou só alguns segundo, tempo suficiente para me sentir péssima. Tratei de dissipá-lo. Só não consegui dissipar o choro atrevido. Meus dedos iam de um canto à outro do teclado, mas eu não os sentia, era como se eles se movessem por conta própria, alheios à minha vontade. Por mim, estaria deitada na minha cama, agarrada ao travesseiro, olhando para o teto e chorando abusivamente. Estaria relembrando nossos invernos e verões. Nossos outonos e primaveras. Mas quem controla a situação nesse momento são meus dedos.
Olhei para mim mesma, para os meus dramas pessoais do cotidiano, minha vida provinciana, meus apegos sem garantias de posse e me comparei à você: absurda e impenetrável, como quando aqui permaneceu. Cheia de moral.
E eu pensei "quem diria que aquela pessoinha, sim pessoinha com seus 1,62m de altura pudesse ter tanta coragem de se aventura tão longe, sem nenhuma garantia de sucesso, sem nenhum contrato pré-estabelecido, sem ninguém a quem pedir auxílio num momento de dificuldade". Mas ela tem. E tem de sobra, dá até para me ceder um pouquinho.
O relógio da vida passa rápido, não trava, não quebra, não gasta a bateria, e você soube como poucos aproveitar os minutos que ela nos oferece, sem dar bola para problemas menores, para pessoas menores. Mais uma vez admito: você é absurda!
Sim, eu vou sentir saudades. Uma puta saudade dos seus conselhos, dos seus "carões", da sua impontualidade, da sua amizade tão sincera, tão presente, tão forte. Como seria bom se pudéssemos manter quem amamos sempre por perto, mas cada um tem a sua vida e precisa lutar para mantê-la forte e viva. O outro lado do atlântico se deu bem. A França ganhou uma pequena notável. Au revoir, Cherry!