quarta-feira, setembro 14, 2005

Querido Roger


Há muito ele merecia um papel de destaque, ou pelo menos algumas generosas linhas de agradecimento nesse blog. Não, a pessoa a quem vou me referir não é mais um daqueles casos passionais que eu tanto gosto de cultivar e que fazem tão bem a minha pele e cabelo, até porque ele já tem "dona" , e mesmo sendo eu uma menina má, como alguns dias me foi relatado tal opinião, não ousaria destruir sua choupana. Choupana sim, pois como ele mesmo sempre me diz, ninguém é forte e inquebrável o suficiente para construir castelos.
Trata-se, aqui, da pessoa que oxigenou a minha percepção de mundo e das coisas que estão ao meu redor. Aquele que me arrancou do topo da minha linda escadaria de cristal, que eu julgava tão preciosa, e me trasladou ao mundo "real". O mundo onde se vive e come o indigesto, o cru, frio, o que rasga a garganta de tão amargo que é. O mundo que adoece, que traumatiza, que cria mágoa, desavença. Um mundo cruel, sem Barbies ou Hello Kittys, mas que pode ser encantador se conseguirmos transgredir as convenções e lutar pelo que amamos e acreditamos, mesmo quando todos tentam nos convencer do contrário.
Mostrou-me a importância dos gestos simples, dos pequenos feitos. Ele que me arrastou pelos cabelos e me obrigou a atravessar a ponte carcomida pelo tempo, construída no topo do precipício só para saber que existe vida no outro extremo da minha visão, para me mostrar que só os errantes, aqueles que não tem medo de perder suas conquistas, suas vidas certinhas, marcadas pelo relógio é que conseguem descobrir esse lugar e sua beleza.
Ele que muitas vezes bancou o meu Hércules e me livrou das correntes do malvado Zeus. Eu que mesmo não tendo o fígado devorado todos os dias, era capaz de sentir angústia semelhante de quem acha que a vida está escorrendo por entre os dedos feito água, ou que tenta colocá-la num pote para usá-la mais tarde, no momento oportuno.
Aprendi com ele que a gente guarda objetos, não a vida, não o mundo que espera por nós. Que não adianta trocar de roupa, mudar o cabelo, encenar outro personagem se a essência permanece a mesma, intocável, entranhada na pele. Se apenas tentamos fazer um número diferente diante da vida, acabamos nos tornando caricatos, repetindo, com outra roupagem, aquilo que todos fazem.
Aprendi com ele que a vida não é uma capa que a gente vai remendando, costurando quando ela está rasgada. A vida é única. Não é um cara, um emprego bacana, status que nos fará mais forte, mais feliz. Também não é fugindo de compromissos sérios, de certezas, de previsões, de regularidades que enganaremos a infelicidade ou que viveremos de maneira plena. É dando a cara pra bater. É somente mostrando coragem diante do mundo que sobrevivemos a ele e a tudo o que ele impõe.
A vida está lá fora, berrando para ser ouvida, não adianta fugir, ligar a televisão ou colocar o rádio no último volume para tentar disfarçar, ela só desisti quando vamos lá fora e a encaramos de frente perguntando o que é que ela deseja. Talvez alguém não lhe dê ouvidos, talvez ache tudo uma grande baboseira. E talvez se deixarmos ela gritar demais ela fique rouca e vá embora e quando resolvermos procurá-la ela talvez não esteja mais lá.