sábado, setembro 24, 2005

Certezas


A partir do momento que entrasse naquele ônibus sabia que com o tempo eu seria apenas uma lembrança, uma foto amarelada num álbum de fotografia, aquela a quem se escreve uma vez a cada cinco anos para fazer um resumo de tudo o que aconteceu. Aquela que fará parte da frase: "lembra de fulana?". Aquela exilada dos acontecimentos importantes, das vitórias e derrotas, das conquistas e fracassos, das mudanças trazidas com o tempo. Enfim, aquela que, graças ao relógio e a distância, seriam apagadas da memória, mesmo que lutássemos contra isso eu tinha certeza de que quando aquele ônibus saísse daquela rodoviária fria eu não seria mais o presente eu agora pertenceria a categoria do passado, das coisas esquecidas ou lembradas muito vagamente.
Já me daria por satisfeita em estar no álbum de fotografia, mas sabia que mesmo ele seria jogado num canto qualquer de alguma grande bagunça amontoada num quarto exclusivamente destinado a guardar lembranças do passado. Aquele quarto onde raramente se visita, que todos tem preguiça de arrumar, aquele lugar onde ninguém gostaria de estar.
Das muitas certezas que pesam na cabeça de uma pessoa, nenhuma é tão forte e mais triste do que saber que a porta fechou e você ficou do lado de fora, na chuva, no vento frio, sozinha. A certeza de que não há táxi nenhum que possa te levar na mesma direção daquilo que você ama, as ruas estão desertas e as casas foram abandonadas. A certeza de que agora se anda na contramão, nos extremos. Não existirão mais assuntos em comum, memórias de finais de domingo à tarde, risadas na volta para casa, brigas, desavenças, reconciliações. Não existirão mais os sonhos, os desejos incomuns, as fantasias loucas e infantis, os jantares, as conversas jogadas fora. Não existirão mais coisas para serem compartilhadas, pesadelos do cotidiano para serem consolados, abraços, beijos, gafes. Não existirão mais os sorrisos transmitidos mutuamente, as certezas de um "até amanhã" dito na hora da despedida. Não existirá mais o ombro amigo, a palavra acolhedora, as mentirinhas bem pensadas para se manter a relação estável. Não haverão mais os telefonemas, as cumplicidades, enfim tudo aquilo que permeiam os relacionamentos
Uns sonhos vêem, outros tantos se vão, e nós fomos, mas já passou, acabou. Acabou num click, num piscar de olhos, numa arrancada de motor, numa Via Dutra. Acabou dentro de um ônibus, levando para bem longe aquilo que lhe é caro, suas preciosas riquezas tão bem cultivadas.