sexta-feira, outubro 07, 2005

08h53m


Aquele telefonema me arrancou do presente e me jogou no passado assim, de barriga vazia. De repente eu me vi novamente naquela rodoviária, agarrada ao meu ursinho de pelúcia, chorando todas as lágrimas que uma pessoa consegue chorar. Tentando manter a postura, não demonstrar a dor de estar deixando um pedaço de mim ali, naquele lugar onde o sofrimento está estampado no rosto de todos que pisam o seu solo.
Na minha cabeça eu queria ficar, não queria ir embora, deixar os meus para trás. Não queria. Não queria conhecer um mundo novo, pessoas novas. Queria aquele lugar frio, doentio, e as pessoas que eu tanto amava
Mas aquele telefonema trouxe de volta uma avalanche de sentimentos confusos e não ditos na hora da despedida. Ali, entre cabos telefônicos, estavam se desenrolando anos de lágrimas e solidão. Anos de raiva e palavras rispidamente ditas. Anos de ações que cortaram fundo a carne e que até hoje parecem ainda não estar cicatrizadas. Tantas culpas, tantos desassossegos, tantos fugas da loucura, do vício, do que corrói. Ele me levou novamente aquele lugar vazio com tudo empacotado, embalado, despachado, esperando o momentos da partida. O meu ar de revolta, inconsolável, com ódio do mundo que me pregou uma peça cruel demais para os meus ombros frágeis.
Foi forte demais para uma nascer do dia. Ninguém conseguiu conter as lágrimas ininterruptamente caídas, rolando na face. Aquela vontade de querer voltar no tempo para recomeçar no ponto havíamos parado, para tentar, pelo menos evitar tanto desacerto, ou pelo menos para tentar enxergar em que curva os vagões se soltaram e cada um foi para um canto.
Mas é estranho visitar um passado que você sempre escondeu de você mesmo, que tentava ignorar, um passado que você não sabia se queria ou não esquecer. Foi difícil tomar nota de tudo aquilo num gole só. Foi difícil não levar minha mente de volta aquele cantinho perdido num ponto do universo onde tantas coisas boas foram celebradas e onde a parede rachou de forma estranha.
Até a voz do outro lado da linha era estranha, ou melhor, irreconhecível. Nos percebemos divididos em dois blocos opostos, que seria difícil descrever aquele sentimento que escorria no meu corpo enquanto ouvia você falar. E eu senti medo do passado, medo de você ali do outro lado da linha, mesmo separada por quilômetros de distância. Eu senti medo de falar com você, de não saber o que dizer. Eu só conseguia soltar um riso meio bobo de quem não está presa ao chão.
No fundo eu quis dizer tanta coisa. Quis dizer que eu também te amava, mas não consegui. Ficou entalado na garganta, sem saber por onde escapar. Quis dizer que sentia falta de nós, de tudo juntos, daqueles tempos onde éramos como mosqueteiros, éramos somente nós contra o resto do mundo, o terrível mundo. Quis dizer que eu ainda não entendi bem o que aconteceu conosco, como fomos ficar daquele jeito, mas que no fundo eu queria o nosso passado de volta, que ele me fazia tanta falta, uma saudade insuportável, uma dor aguda na memória. Eu quis dizer que ainda me lembrava das brincadeiras, das brigas, nossos amigos, enfim, das nossas vidas. Mas eu não consegui. Eu não consegui dizer nada, só ouvia o seu choro do outro lado da linha, um choro arrependido, inconsolável, um choro assim como o meu, de quem quer o passado de volta. Um choro de quem quer o impossível.
Aquele telefonema mudou o meu dia, a minha vida. Ter tido notícias suas foi como restabelecer o contato com algo perdido no tempo. Não sei como será daqui para frente. Se iremos parar por aqui, ou daremos uma chance a nós mesmos, sem estarmos ainda preparados para isso. Só sei que as notícias que você trouxe sacudiram fundo aqui dentro de mim e me deram uma outra perspectiva de futuro.