quarta-feira, novembro 02, 2005

Hoje

Hoje é um daqueles dias em que as horas demoram a passar além do normal. Aqueles dias mofinos em que o corpo custa a se erguer da cama e tudo ao redor ofusca. Aqueles dias em que a alma está cansada de não sei o que e tudo se resume a uma cor cinza.
Cinza, pálido, sem graça, sem força, sem ânimo nem coragem para dar sequer um passo adiante.
Hoje é um daqueles dias em que o quarto é, ao mesmo tempo, refúgio e prisão. São dias em que não queremos ser o que somos e sempre achamos que poderíamos ter feito mais e melhor; poderíamos ter entrado à esquerda e não à direita, ter dado um passo para trás ao invés de seguir adiante. Um dia sem conforto, com cheiro de lágrima e voz quase sussurrada.
Esse foi o dia de hoje. Parado como o clima do lado de fora. Fiquei cozida à minha cama, olhando para o teto e tentando pensar em alguma coisa boa que pudesse afastar esse sentimento ruim. Como não consegui tal intento, achei melhor levantar, reunir forças e encará-lo.
Então, mãos à obra. Saí da cama, penteei o cabelo, me olhei no espelho e não gostei do que vi do outro lado. O rosto inchado de tanto chorar na noite anterior deixou seqüelas visíveis.
Permaneci ainda algum tempo assim, frente ao espelho, olhando para mim mesma sem conseguir me enxergar naquela visão, sem me reconhecer naquela imagem. O que aconteceu com a doce e alegre garotinha do passado, que já acordava sorridente, falante, alegre? Ela se transformou numa mulher meio fria, que acorda de mal-humor e resmunga algumas palavras com alguém. A menina sapeca que era abraçada pelo mundo virou a mulher do espelho, que hoje procura braços que queiram abraçá-la.
Devia ter ficado na cama, devia ter virado para o lado e dormido, mas não. Hoje eu acordei com o mundo nas costas fazendo força para me derrubar, mas ele não precisava ter debandado tanta força, eu já está caída mesmo, senão física, mas de espírito.
Nem mesmo os meus amigos imaginários vieram me visitar, acordei sozinha, e assim passei o restante do dia. Fria, seca, chorosa. Os olhos brilhantes do passado não existe mais. Eles cederam o lugar a mulher cheia de aborrecimentos e com a alma mergulhada na tristeza.
Se existem outonos de alma, estou nessa estação. Querendo ver o sol e ele se escondendo. Mas eu não quero brincar de me esconder. Eu quero vida. Vida que está faltando em mim agora. Vida que não escorre pelo ralo, nem se afina como massa. Vida que trazes escondido em algum canto do corpo. Vida sem cor cinza, nem cheiro de lágrima. Nem tempo parado lá fora.