sábado, dezembro 31, 2005

Adeus Ano Velho

Aos vinte e poucos anos da minha vida eu me deparei com a realidade e percebi que não adianta correr, nem seguir à risca os manuais de auto-ajuda, nem procurar por romances trovadorescos para fugir dos erros e enganar a solidão.
Nessa minha longa jornada já chorei mágoas, dores e feridas por considerar erradas todas as escolhas e caminhos que resolvi seguir; já sofri por me julgar excluída da roda daqueles a quem um dia eu havia dedicado o melhor que existia dentro de mim; já me afoguei em autocomiseração por idéias de constantes fracassos e por acreditar que fiquei na estação enquanto todos pegavam o trem e me abandonavam sem nenhum aceno de adeus; já me senti tão sozinha e isolada de todos que aceitava qualquer abraço na esperança de encontrar um pouco de afeto; já ofereci minha boca e coração em bandejas enfeitadas achando que assim encontraria o amor que sempre sonhei.
Mas então finalmente eu percebi que os mapas de minas existem para enganar piratas valentões e pouco sagazes, fazendo com que eles fiquem cavando, cavando, cavando... sem nunca encontrar o tesouro escondido. Entendi que não existem culpados ou inocentes, mocinhos ou bandidos, nem qualquer outro bode expiatório que se deseje condenar. Compreendi que a vida é cheia de surpresinhas, algumas agradáveis, outras não e que o que existe na verdade são ciclos que se abrem e fecham nos conduzindo a lugares e ações muitas vezes não compreensíveis ou perdas inesperadas.
Percebi que não dá para se ter sucesso em todas as áreas da vida sempre e que amores e amizades, por mais sólidos que sejam, algum dia acabam se desbotando, ficando apenas os álbuns de fotografia para nos fazer recordar aqueles que um dia cruzaram nosso caminho. Entendi que a vida não é feita apenas de escolhas, caso contrário estaríamos limitando o sentido da nossa existência, e que as pessoas são movidas pelos seus desejos, instintos, medos, sonhos e que nada disso pode ser condenável e que não é qualquer caminho traçado que mudará meu destino, ou me fará mais ou menos feliz e realizada.
Eentendi que para alcançarmos a realização que sonhamos temos de abrir mão de um sem número de outras coisas, mas que ser feliz não é tão complicado quanto parece. Aprendi a importância de se arrepender e voltar atrás vez por outra, de pedir desculpas sinceras, de dizer que sinto saudade, de aceitar um não, de não guardar mágoa ou rancor e de chegar no horário marcado, em toda e qualquer situação. Descobri o prazer de ficar apenas comigo mesma, meus livros, discos e idéias; a não ter medo de me questionar ou me presentear com respostas verdadeiras; que a liberdade, como na maioria das vezes ela nos é apresentada, é na verdade algo ilusório e passageiro e que ser livre é muito mais um estado de espírito do que uma porta aberta para qualquer atitude ou prazer momentâneo.
Então eu parei de reclamar, de chorar, de me entristecer e culpar os outros por tudo aquilo que eu havia perdido, por todos os sonhos não realizados, pelos amores não vividos e pelas amizades esvairidas.
Eu ainda sou a menina/mulher atrevida e ingênua, inocente e vamp, que se esconde atrás da orla de cabelos negros e encaracolados. Mas essa mesma criatura optou pela sua felicidade e agora caminha com passos de bailarina; eu brinco, danço e toco a vida da maneira que dá, sem palavras nem ações complicadas demais. Eu agora choro quando tenho vontade e não escondo mais os sentimentos e as palavras em potes de bolacha na última prateleira. Eu aprendi a virar as páginas da vida sem culpa, sem medo, sem falsidade, e a dominar a saudades sempre presente, tendo-a como um sentimento gostoso, não algo sufocante.
Eu me transformei na gata de rua que vira latas em meio à avenida movimentadas, que vive no limite, se agarrando pelas bordas para não cair e ser atropelada.
Aprendi a não esperar tanto dos outros e a seguir gastando todas as vidas que tiver para ser gastas. Enfim, a não achar que apenas o jardim da casa da vizinha tem flores lindas e que no final todo mundo já passou por correntezas ferozes e morreu de medo de ser arrastado para a terra do nunca.
Sei que ainda terei muitas dores para chorar, muitos amores para amar, muitas amizades para ganhar e perder, muitos fracassos para me arrepender e principalmente muitas vidas para viver da maneira como desejar, sem me sufocar, sem me deixar cair, sem me culpar, porque a vida é um eterno ir e vir de coisas e ciclos que nos ajudam a amadurecer e a engrandecer nossos sentimentos nos moldando em indivíduos mehores. Feliz Ano Novo.